sábado, 12 de março de 2016

LAMENTO-BRADO DE UMA NORDESTINA, por Fabiana Agra



Nesse 12 de março de 2016, escrevo com o coração partido, pois vejo o nosso país completamente dividido e prestes a ser esfacelado pelas mesmas forças que dividiram as suas terras há mais de 500 anos e que, ao longo desses cinco séculos, sugaram o que de melhor nós tínhamos e ainda temos. Então, a burguesia cansou de uma política mais voltada para a distribuição de renda, capitaneada pelos governos Lula/Dilma e disse “-chega!”. 

O artista Bemvindo Sequeira foi muito feliz quando falou, há alguns dias, que o que estamos vivenciando no Brasil não se trata de golpe, apenas devido ao alastramento da crise capitalista vivenciada em todo o mundo, está havendo o rompimento do pacto entre a classe dos trabalhadores e a elite brasileira, feito através da “Carta aos Brasileiros” de Lula e do PT, proposta e aceita em 2002 e que, nos últimos meses, a classe dominante brasileira apenas brada: - chega, me dá de volta o que eu te emprestei! Somente isso, nada mais do que isso...

Hoje, antevejo uma paisagem de terra devastada para nós, que nos últimos anos, estávamos galgando (ainda que a passos trôpegos) a escada do desenvolvimento estrutural e social. E quando eu digo “nós”, entenda a “gente do Nordeste”, região, ao longo da história brasileira,  sempre preterida, esquecida, jogada de lado, mas que cujo povo nunca desistiu de si mesmo, sempre trazendo no peito uma baita de uma identidade de pertencer a esse chão. Pois é. Porém, também prevejo que essa “terra de ninguém” não durará tantos anos quanto aqueles de outrora, que tanto maltrataram o nosso povo, através da espoliação das nossas riquezas, da escravidão e da indiferença das instituições quando era o Nordeste que estava à mesa.

Mas ainda tem mais. Nos dias atuais, o nordestino anda meio enxerido. É! Depois de 2003, os nossos jovens venceram a fome e deram pra estudar. E seus pais, quando eles mesmos não ocuparam os bancos escolares, voltaram seus ouvidos para os filhos e começaram um diálogo que fascista algum poderá parar, pois trata-se daquela conversa ao pé-do-ouvido, daquela conversa de filha-para-pai, de filho-para-mãe e de  todos os vice-versas possíveis. Assim, o povo nordestino não mais voltará a condição de coitado, de espoliado, de “morto-de-fome” – não mais, nunca mais, esqueçam disso! Hoje, nós temos consciência do pertencimento da nossa gente e do nosso chão.

Ainda não acabei, perainda. Estamos prontos para a defesa de um legado ainda recente, mas muito sólido. Não pensem vocês, São Paulo, Paraná e demais estados que sempre tiveram as benesses de uma política e de políticos voltados para seus próprios bolsos, que o Nordeste irá cair, ajoelhar-se e aceitar de bom grado o que querem meter em nossa goela.  Não, não mais. Nunca mais.
Isso não significa que estamos prontos para uma guerra com “bala de verdade”. Não, isso eu não quero que aconteça, não é muito da nossa índole. Mas estamos prontos para combater o fascismo e a canalhice dessa classe dominante que está acostumada a fazer o butim quando bem entende; isso acabou, corja de estúpidos. O nosso povo está pronto para resistir – e resistiremos não através dos canhões e nem das flores, mas fazendo uso da razão, das leis e do tempo, porque “a verdade é filha do tempo, não da autoridade”, já dizia Francis Bacon. Ah,ia esquecendo:  esse daí não é o bacon de porco, pro caso do tal promotor de sampa vir a ler este artigo.

* Fabiana Agra é advogada e jornalista.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Os ratos e o navio à deriva, por Fabiana Agra



Em menos de uma semana, a gangorra do pedido de impeachment de Dilma Rousseff (aceito pelo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha no último dia 02/12) parece ter dado uma forte sacudida, depois do “vazamento” da carta-sofrência do vice Michel Temer, primeiro traidor-mor brasileiro no século XXI. Na tal carta, o vice de Dilma se mostra ressentido, magoado, por ter sido menosprezado durante 5 anos – parece até coisa de amor mal-resolvido, vai lá saber, na altura do campeonato... Temer poderia ter se saído melhor sem essa carta-testamento, que acabou de enterrar a sua medíocre história política, renegando-o ao lixo da História, ao lado de Silvério dos Reis.

Mas a carta-sofrência de Temer teve o condão de desequilibrar o jogo em favor de Eduardo Cunha – aguardem os próximos movimentos dos enxadristas -, além de desmascarar o próprio missivista e de mostrar o esqueleto no qual são sustentados os políticos brasileiros: o poder apenas pelo poder.

E de uma coisa a gente pode ter certeza: Temer não é golpista, isso não! Um vice que abandona o seu posto no momento mais crítico da história de sua gestão, não pode levar a pecha de golpista, mas sim, de TRAIDOR! É que cada um tem o seu papel nessa história nebulosa que está sendo a derrubada de Dilma – o papel de Temer é o de ser o 666, o belzebu, o anjo caído, o mequetrefe, enfim – o traíra...

Um desses inúmeros estadistas planeta afora já vaticinou no passado, que a política adora uma traição, mas não perdoa os traidores. Concordo. Porém, não se enganem, a tal carta-sofrência de Temer sinaliza mais que uma simples traição e sempre para algo mais à direita: significa que a maioria dos peemedebistas abandonou o navio, como ratos que são. Os ratos deixam o navio, capitaneados pela ratazana-mor Michel Temer – que demonstra com seu ato, o que se espera da maioria dos políticos brasileiros: enriquecimento e empoderamento de tais crápulas, sanguessugas do nosso povo, só isso e somente só.

Êpa, peraê! – atrase o tal barco para que possamos entender os motivos “temeristas” de ser: Rodrigo Vianna lembra bem que talvez o vice tenha outros motivos para dar o pulo do gato agora: em menos de 3 meses, a Lava-Jato pode abrir espaço para novas delações de empreiteiros que “confessariam” ter doado dinheiro à chapa Dilma/Temer pra garantir no futuro contratos com estatais. É o que se diz nos bastidores da operação. “Essas delações abririam espaço para a contestação da chapa Dilma/Temer (e não só de Dilma) no TSE. É esse o caminho que interessa a Aécio e Marina: cassação no TSE de Dilma/Temer, seguida de novas eleições. Se isso ocorrer, Temer deixará de ser a ‘alternativa de poder’, e precisará se defender em parceria com Dilma. Ou se safa junto com a Dilma, ou cai junto com ela, diz Vianna.

Não obstante e independente dos desdobramentos da crise, a tal carta acabou de destruir Michel Temer perante à opinião pública, é fácil comprovar tal fato através das redes sociais – e é isso que eu estou aquilatando, só de ver a tal da “zoeira” no Twitter e no Facebook. Renato Rovai, por sua vez, acabou de vaticinar: “Dilma pode cair, mas Temer não sairá maior deste processo. Ele caiu hoje”.

Eu digo mais: com a tal carta “vazada”, Michel Temer desnudou-se e mostrou a verdadeira face do protótipo do político nível médio brasileiro: aquele quer lucrar muita grana, que barganha todos os cargos possíveis e imagináveis e que quer os méritos de tais só para si; mas o principal feito de Temer foi um só: o de desnudar a verdadeira face das coligações político-partidárias brasileiras e toda a podridão que as envolvem.

As cartas estão lançadas, e já antevejo uma futura condenação de Dilma Rousseff no TSE. Porque “eles” querem que ela caia. Porque eles precisam que ela caia. E ela vai ter que cair. Simples assim.

* Fabiana Agra é advogada e jornalista


segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O golpe paraguaio versão Brasil




Em 22 de junho de 2012, Fernando Lugo, presidente do Paraguai, foi destituído do cago através de seu impeachment. A destituição de Lugoocorreu num contexto de uma crise político-institucional e o processo foi iniciado no dia 20 de junho, a pedido de um deputado do Partido Colorado, tendo por desculpa um confronto entre policiais e camponeses, durante a reintegração de posse de uma fazenda emCuruguaty. O processo de impeachment de Lugo, que durou pouco mais de 24 horas, foi considerado legítimo pelo Tribunal Superior Eleitoral do pais, e ilegal e ilegítimo pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, tendo gerado uma crise diplomática internacional com os países sul-americanos integrantes daUnasul e do Mercosul,que recusaram-se a aceitar a forma como se deu a destituição do ex-presidente.

Guardadas as devidas proporções, uma oposição oportunista e golpista alojada na Câmara dos Deputados está tentando um golpe semelhante no mandato da presidenta Dilma Rousseff – utilizando argumentos bem mais sofisticados do que os de seus colegas paraguaios, porém carecedores de bases jurídicas. Para alguns analistas políticos, a dificuldade do governo de Dilma, de se relacionar com o Congresso Nacional, principalmente com o presidente Cunha, somada ao “tudo ou nada” de partidos da oposição, cujas atitudes miram na desestabilização do governo e acertam na instabilidade política e econômica do país, foram os principais combustíveis para a abertura do processo de impeachmentno último dia 2 de dezembro.

E quais são os argumentos do “Golpe paraguaio versão Brasil”? Os golpistas de agora, capitaneados por Eduardo Cunha, FHC, Aécio Neves e, até que prove o contrário, o próprio vice Michel Temer, lutam para que a presidenta Dilma, eleita com 54 milhões de votos, seja derrubada do cargo porque cometeu "pedaladas fiscais" em 2015. É que as tais "pedaladas de 2014", condenadas pelo Tribunal de Contas da União, numa decisão que ainda não foi referendada pelo Congresso, não poderiam justificar um impeachment, uma vez que a Constituição brasileira estabelece que um presidente não pode ser afastado por fato anterior ao seu atual mandato.

O jornalista Leonardo Attuch lembra com propriedade que, por tal motivo, o pedido de impeachment aceito pelo presidente da Câmara foi aquele que recebeu um adendo: o parecer de um técnico do TCU, chamado Júlio Marcelo de Oliveira, que apontou a continuidade das pedaladas em 2015. “Sem essa muleta, o pedido de oposição, assinado por Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Pachoal, não ficaria de pé”, disse Attuch.

Mas, qual é mesmo a situação das contas públicas em 2015?No início de dezembro, por ampla maioria, o Congresso Nacional aprovou a nova meta fiscal – o que elimina qualquer possibilidade de que "pedaladas" tenham sido cometidas neste ano (então, acabou o objeto do pedido do impeachment, ou não?!?). Mais ainda se diga: ainda que a presidenta Dilma tenha assinado decretos de execução orçamentária antes da aprovação do parlamento – o que, aliás, foi feito por todos os presidentes na história da República – é preciso lembrar que tal parecer não foi avaliado sequer pelo próprio Tribunal!

O cientista político Cláudio Couto faz coro a esta tese. Para ele, o tipo de transgressão que a presidenta porventura tenha cometido neste ano, dos decretos relativos à meta fiscal, pode ser passível de algum tipo de punição mas necessariamente não é enquadrado como crime de responsabilidade. “Uma coisa é a presidente se tornar inelegível; outra coisa é ela ser considerada autora de crime de responsabilidade de modo a justificar o seu impeachment”, disse Couto. Ele foi além, ao afirmar que a aprovação da nova meta fiscal corrigiu o problema dos decretos.

Marcello Lavenère, ex-presidente da OAB e um dos autores do pedido de impeachment contra o ex-presidente Collor em 1992, em entrevista concedida à Folha no último domingo, dia 6, diz não ter qualquer cabimento o pedido de impedimento feito contra a presidenta Dilma Rousseff.Ele lembra que ainda em janeiro, quando Dilma tinha 15 dias de governo, o PSDB pediu um parecer ao jurista Ives Gandra Martins."Não era possível que com 15 dias de governo já houvesse a presidente da República cometido tamanhos desvarios que já justificassem o impedimento. O impeachment não é para luta política. O que ela fez? Roubou? Recebeu propina? Recebeu vantagem ilícita? Perdeu o decoro do cargo? Cometeu algum dos ilícitos que estão contidos na Constituição e na Lei do Impeachment? Não. Vamos arrumar uma desculpa aqui: pedalada fiscal", afirmou.  Lavenère lembra que não se pode banalizar o instituto do impeachment. "Eu poderia dizer que tudo pode acontecer. Mas imagino que vá ser improvável. Não estou preocupado em defender o mandato da Dilma. O que me preocupa é a regularidade e o respeito às instituição republicanas, à democracia e ao futuro do país", concluiu.

Por sua vez, Ibsen Pinheiro (ex-presidente da Câmara dos Deputados e deputado estadual gaúcho pelo PMDB, condutor do processo de impeachment de Collor) afirmou, em entrevista à Agência Estado, que não vê condições para impeachment da presidente Dilma Rousseff. "Em 92, caminhávamos para uma crise institucional. Não acho que isso esteja presente agora, embora não descarte que esteja no futuro. Não vejo hoje a necessidade da arbitragem política", afirmou Ibsen, que acrescenta que não há clareza em possível crime de responsabilidade. "Não vejo clareza nisso, porque a violação de uma regra orçamentária é comum", disse, referindo-se às pedaladas fiscais.

O ex-presidente do STF, Carlos Ayres Britto, disse à Folha que não há base jurídica para sustentar um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, e que não se pode "artificializar" argumentos para afastá-la do cargo.
Ele admite que o mau desempenho da presidente colocou o país em "situação delicada", abrindo caminho para a discussão do impeachment, mas afirma que até agora não apareceram evidências de que ela tenha cometido um crime que justifique a abertura do processo. "Ela está formalmente fora do petrolão", diz Ayres Britto. "Não há processo penal em andamento contra ela." Para Ayres Britto, atualmente a única ameaça ao mandato de Dilma teria de vir da Justiça Eleitoral, através de, no caso algum crime eleitoral, “o que levaria de roldão a candidatura do vice-presidente também. Em noventa dias teríamos novas eleições”.

O processo de impeachment já está em curso, mas ainda em termos, porém: aFolha de S. Paulodo último domingo traz o plano de Eduardo Cunha para atender ao pedido da oposição ao governo Dilma e deixar o impeachment para 2016, após as festas de fim de ano, quando a situação econômica deve se agravar e será mais fácil mobilizar movimentos de rua. Cunha já encomendou um parecer técnico à área técnica da Câmara para sustentar que o Congresso pode entrar em recesso no próximo dia 23, mesmo que não cumpra a prerrogativa de votar a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).
Segundo a Folha, o governo federal, o PT e técnicos da Câmara, porém, afirmam que a Constituição é clara em dizer que “a sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias".

O cabo de guerra entre governo e oposição acontece porque cada uma das partes tem um entendimento diferente sobre qual o melhor momento para julgar o impeachment. Para o Planalto, é agora, para evitar que deputados da base mudem de ideia se houver pressão das ruas ou de prefeitos e governadores atingidos pela crise.Já para a oposição, o impeachment de Dilma tem que fazer caminho inverso ao de Fernando Collor. “O impeachment do [ex-presidente Fernando] Collor foi diferente deste da presidenta Dilma. Enquanto o [desgaste] de Collor começou nas ruas e veio para o Congresso, o da Dilma começou no Congresso e agora precisa ir para as ruas”, analisou o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima, segundo relatos da Agência Brasil.

Com o parecer pelo recesso, Cunha ainda paralisa, por 45 dias, os trabalhos do Conselho de Ética, onde será julgado por quebra de decoro parlamentar em função das denúncia da Operação Lava Jato.Segundo a Folha, o PT e o governo aguardam a manobra de Cunha com o parecer para recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Caberá à Corte, portanto, deliberar sobre o cronograma do impeachment.

O cientista político Cláudio Couto, em entrevista à Agência Pública, avalia que, se a tramitação do pedido fosse iniciada hoje, seria improvável a saída da presidente. Ele afirma que a decisão de partir para o confronto com o deputado, tomada por Dilma e pelo PT, foi uma estratégia acertada para mostrar que o governo não se submeteu a uma chantagem. Couto lembrou também que “opedido tem de passar pela comissão e, se o governo obtiver maioria para derrubar o parecer já na comissão, o caso morre aí. Se ele passa na comissão e vai a plenário, eu acho que hoje, apesar de todas as dificuldades do governo, acho improvável que o governo não tenha pelo menos um terço dos deputados para se manter”. Dessa forma, ele considera que, apesar de todos os problemas, o impeachment ainda é um desfecho improvável. “Hoje, aqui, eu faria uma aposta de 80 a 20: 80% para não ter o impeachment. Claro que o cenário pode mudar, novos elementos podem aparecer; mas, pelo que se tem até agora, acho difícil que esse processo prospere”.

Antes que eu me esqueça, talvez o que realmente aproxime o golpe que está sendo fomentado no Brasil em relação ao golpe de 2012 lá do Paraguai, seja a presença no Brasil, desde 2013, da embaixadora americana Liliana Ayalde. Essa mulher foi, nos bastidores, uma das principais responsáveis pela queda do presidente Lugo no Paraguai. E agora, repito, ela é a embaixadora americana no Brasil. Demais semelhanças, somente o tempo e o desenrolar dos acontecimentos dirão. Mas fico aqui imaginando a cara de quem comprar esse golpe, como sendo a mesma cara de quem comprou gato por lebre nas ruas de Ciudaddel Est – ou na 25 de março, por que nâo?!?


* Fabiana Agra é advogada e jornalista.


Fontes: 247, Folha, Blog do Tarso, Jornal do Brasil, Agência Estado, Jornal GGN

sábado, 5 de dezembro de 2015

Sobre o "Impeachment das Pedaladas"




Nos últimos dois dias, dezenas de amigos virtuais me perguntaram acerca da possibilidade de Dilma “sofrer um impeachment”. Enquanto operadora do direito tenho minha opinião mais que formada sobre o assunto, abalizada a partir das análises dos mais conceituados juristas brasileiros, de cientistas políticos e de vários brasilianistas. Assim, contribuo para este debate que está apenas começando.

E começo respondendo à pergunta que umas quatro pessoas me enviaram: sim, há chance do impeachment prosperar e Dilma cair – mas tal hipótese soa improvável, nas atuais circunstâncias significará golpe, como explicarei a seguir. Obviamente, a chance de ocorrer se aproxima, pois o processo foi aberto; mas o que definirá o impeachment não serão possíveis conchavos entre os deputados, mas a pressão das ruas e da imprensa – essas duas forças sim, farão toda a diferença nos próximos dias e meses.

O cientista político Thiago de Aragão, da Arko Advice, dizia, semanas atrás, que o Brasil havia chegado a um ponto onde “a certeza do disparate supera a expectativa da normalidade”. Mas digo mais: a partir de agora, talvez a anormalidade é quem dê o tom! Aragão, em entrevista ao El País, confirma isso, já que a política brasileira se volta para um grande tópico em um momento em que temos vários grandes assuntos para resolver. “Muita agenda para poucos líderes”, lembrou ele, ponderando que o impeachment da presidenta não deve ser celebrado nem pela oposição.

O jurista Dalmo Dallari, um dos nomes mais respeitados do meio jurídico brasileiro, disse ontem à BBC Brasil que o pedido de impeachment não tem consistência jurídica. Questionado especificamente sobre as chamadas pedaladas fiscais do governo para fechar suas contas – principal argumento do pedido de impeachment formulado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr –, Dallari disse não ter identificado crime de responsabilidade fiscal: "As pedaladas não caracterizam o crime de responsabilidade fiscal porque não houve qualquer prejuízo para o erário. As pedaladas configuram um artifício contábil, mas o dinheiro não sai dos cofres públicos, então não ficam caracterizados os crimes de apropriação indébita ou desvio de recursos", pontuou. "Não há nada nas pedaladas ou no pedido de impeachment que identifique uma responsabilidade da figura da presidente da República", complementa o jurista.

Celso Antônio Bandeira de Mello, foi mais longe: disse que o processo de abertura do impeachment “é uma palhaçada”. “Pelo que tudo indica, e o que a gente vê na imprensa, a razão foi exclusivamente política, sem nenhum embasamento na lei”, afirma o jurista, em entrevista ao Jornal do Brasil. Bandeira de Mello afirmou ainda que a decisão de Cunha foi consequência do fato de os deputados petistas terem garantido votos a favor da admissibilidade do perecer que pede a abertura do processo de cassação do presidente da Câmara, a ser votada no Conselho de Ética.
Também de acordo com o jurista, mesmo com o processo já aberto, a presidenta não corre grandes riscos de cassação: “Eu não acredito [na cassação]. Seria uma enorme falta de dignidade por parte dos congressistas”.

Ministro da Fazenda de José Sarney e de Ciência e Tecnologia durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o economista, cientista político e advogado Luis Carlos Bresser-Pereira disse, nessa quinta-feira, em entrevista ao Estado de S.Paulo,  que o processo de impeachment, cuja abertura foi autorizada pelo presidente da Câmara, não tem base jurídica razoável. "Primeiro, em relação ao impeachment, eu acho que ele nasce morto. Já sabíamos que ele não tinha base jurídica razoável. A presidente tem muitos defeitos e dificuldades, mas não cometeu crime nenhum. É uma mulher de alta dignidade. Esse pedido de impeachment nasce de uma chantagem feita pelo Eduardo Cunha e, portanto, é moralmente muito prejudicado. Segundo, eu nunca acreditei que o impeachment viesse a acontecer", observou Bresser-Pereira.
Um dia antes, em entrevista concedida a BBC Brasil, Bresser avaliou que a crise política atual está ligada a uma grande “insatisfação da classe média”, que teria desenvolvido um ódio em relação ao PT e ao governo. “O PT não traiu os pobres, foi coerente nesse ponto, embora também tenha deixado os ricos ganharem muito dinheiro. Então os ricos e os pobres ganharam e a classe média ficou de fora. Essa classe (média) desenvolveu um ódio profundo ao PT e o governo. Uma coisa irracional, perigosa e antidemocrática”. Segundo ele, um setor da sociedade brasileira radicalizou para a direita e passou a adotar posições “piores que udenistas, fascistas”.  O ex-ministro negou o discurso que a oposição tenta emplacar, de que a presidenta teria praticado um “estelionato eleitoral”, ao rever propostas de governo. “De nenhuma maneira. (...) Em outubro de 2014, quem estava prevendo que o Brasil entraria em uma gravíssima recessão econômica, com queda de 3% do PIB? Ninguém. Não sabíamos. A economia é uma cienciazinha muito modesta, só é perfeita na cabeça dos economistas ortodoxos. Só se começou a falar em crise em dezembro”, disse.

Para o professor Luiz Moreira, um dos pioneiros do debate sobre judicialização no país, que ocupou o Conselho Nacional do Ministério Público por dois mandatos, o pedido de impeachment de Dilma Rousseff carece não apenas de um motivo legal – não tem amparo sequer nos pretextos jurídicos que a oposição tentou construir desde a derrota na campanha eleitoral. Em entrevista ao site Brasil 247, Luiz Moreira explica uma questão essencial. Com a aprovação, pelo Congresso, das metas fiscais para 2015, acabou qualquer polêmica em possível em torno daquele fenômeno chamado de “pedaladas fiscais.” Lembrando um mandamento básico do direito, o professor recorda que a votação de quarta-feira é criou um marco jurídico novo para se debater a questão: “havendo lei a autorizar o ato, essa conduta passa a ser legal.” Em função disso, diz o professor, o STF deve declarar o processo inconstitucional.

Sobre o pedido de impeachment e as pedaladas fiscais, especificamente, Luiz Moreira esclarece: “No pedido ora admitido, restaria um único fato novo: aquele apontado pela área técnica do TCU na questão da suposta manobra contábil no corrente ano de 2015. Essa suposta manobra contábil passou a ser conhecida como pedalada justamente por ter sido praticada sem a devida autorização legislativa. Havendo lei a autorizar o ato, essa conduta passa a ser legal. O Congresso Nacional acaba de aprovar o PLC 05/2015, pelo qual foi houve autorização para que o Governo adeque suas práticas contábeis à legislação vigente. Ou seja, ainda que houvesse fato criminoso esse crime foi desconstituído pela aprovação de lei pelo Congresso”. E Moreira prossegue em sua análise: “A situação é a seguinte: qual o crime atribuído à presidente Dilma? A prática de artifícios contábeis não previstos em lei. No entanto, ainda que editada posteriormente ao fato que se pretende apontar como  crime de responsabilidade, a lei aprovada retroage para todos os efeitos, gerando aquilo que tecnicamente é conhecido como "abolitio criminis". Portanto, o único fato novo apontado na representação, e que ensejou a deflagração do processo de impedimento do mandato presidencial, foi agasalhado pela aprovação da nova lei pelo Congresso Nacional. Desse modo, a chamada pedalada passou a ser atípica, pois sua prática está prevista em lei e isso conduz à falta de justa causa para início do processo de impeachment”.

Advogado e professor de Direito da USP e do Mackenzie, o ex-governador de São Paulo Cláudio Lembo escreveu parecer, no qual se posiciona contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. No texto, ele defende que o afastamento de presidentes se tornou “uma nova patologia” na política latino-americana. Para ele, PSDB e DEM, que encabeçam a campanha golpista no Brasil, estão “perdidos, em estado de neurose coletiva”.  “Os golpes militares da época da Guerra Fria estão sendo substituídos pelo impeachment. A função do Congresso é fiscalizar os governos, e não derrubá-los. Isso é o mesmo que bater às portas dos quartéis”, diz ele, segundo o colunista da Folha de S. Paulo, Bernardo Mello Franco. O professor, que foi filiado ao DEM até 2011, afirma que a sua antiga legenda e o PSDB querem “derrubar o governo a qualquer custo”, inconformados com o resultado das urnas em 2014. “A oposição não aceitou o resultado da eleição e quer derrubar o governo a qualquer custo. Só sabem falar em impeachment. Estão perdidos, em estado de neurose coletiva.” Na argumentação contra o impeachment do advogado, hoje filiado ao PSD, há espaço também para críticas à elite golpista. “A elite branca está furiosa. Não entendeu que o Brasil mudou, por isso está perdida.”

É isso. Consistência não há nesse pedido de impeachment de agora. Diferentemente do escândalo que envolveu e acabou derrubando o então presidente Collor de Mello, não há indícios de que Dilma tenha cometido qualquer irregularidade ou que tenha se beneficiado do erário público. Em 1992, Collor foi acusado de participar de um esquema de corrupção chefiado por Paulo César Farias e surgiram provas de que ele se beneficiou dele, através do pagamento de despesas pessoais suas e de sua mulher, e até da compra de um carro, o emblemático Fiat Elba. Já Dilma, nas palavras de Tereza Cruvinel, é acusada de um crime de difícil compreensão pela maioria do eleitorado, um crime de gestão: “de ter violado a lei de responsabilidade fiscal e atentado contra a lei orçamentária, realizando despesas que ultrapassaram os limites fixados, e de ter editado decretos autorizando gastos sem a devida aprovação congressual”. A diferença é gritante, ora pois. Sem contar que, diferentemente de Collor, a presidenta Dilma Rousseff não encontra-se isolada no poder, há um gama de forças progressistas que já sinalizaram que estarão ao seu lado.

Mas que a briga promete, ah, isso promete. Serão meses de paralisação de projetos necessário para o Brasil, enquanto a população acompanhará inflamados debates pela TV.  Sem esquecer que a Rede Globo é e continuará sendo o centro nervoso do golpe. “É nos seus estúdios que são e serão construídas as narrativas para justifcar a ruptura com o processo democrático. Assim como fizeram em 1964”, disse alguém nas redes sociais. Enfim, o sinal de alerta já foi acionado, e quem for defensor da democracia, que saia às ruas em sua defesa. Eu vou ali pegar a minha bandeira. #NaoVaiTerGolpe.


* Fabiana Agra é advogada e jornalista.

FONTES: BBC Brasil, Brasil 247, Folha, El País, Jornal do Brasil, Estado de S. Paulo.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Vai ter golpe? Nós vamos deixar?




Na tarde desta quarta-feira, 2 de dezembro, o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou o pedido de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, feito pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal. O peemedebista disse a aceitação do pedido tem "natureza técnica" e que não havia como adiar mais a decisão sobre a questão. A decisão foi tomada horas depois de o líder do PT na Câmara, o acreano Sibá Machado, anunciar que os três integrantes do partido no Conselho de Ética votarão, em sessão marcada para a próxima terça-feira, 8 de dezembro, pela admissibilidade do pedido de cassação de mandato de Cunha, apresentado pelo PSol.

Logo após a coletiva de imprensa em que Cunha, aceitou dar prosseguimento ao pedido de impeachment contra a presidenta, deputados do PT e PCdoB afirmaram que recorrerão ao STF para impedir o andamento do processo.
O deputado Rubens Pereira Junior (PCdoB-MA) disse que o STF já decidiu que não há rito estabelecido para o impeachment e que, então, Cunha estaria proibido de decidir. Já o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) disse que o ato de Cunha é revanchista e que será questionado no STF e nas ruas. “O Brasil não pode ser alvo de chantagem”, disse. O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), declarou que a abertura do processo de impeachment  é “uma retaliação de baixo nível ao Governo e ao PT”. Para Humberto, o deputado só tomou a iniciativa contra a presidenta hoje depois de saber que os deputados do PT integrantes do Conselho de Ética iriam votar a favor da continuidade das investigações sobre as denúncias que pesam contra o peemedebista.

O PMDB, por sua vez, tem espaço para muitas opiniões: o deputado federal  Jarbas Vasconcelos do PMDB pernambucano, disse que a abertura de processo de impeachment anunciada pelo presidente da Câmara, é resultado do fracasso generalizado do dirigente; "Ele tentou chantagear a oposição, não conseguiu e partiu forte para cima do Governo e do PT querendo a mesma coisa e fracassou, portanto, o processo em voga é fruto do fracasso generalizado", observou; Jarbas disse que Cunha é um "chantagista cínico". Já o senador Roberto Requião do PMDB paranaense minimizou, através do Twitter, a abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff: "A oposição porra louca fez 99 votos na câmara na META. Portanto não há que se preocupar com impeachment", disse.

Enquanto isso, a oposição comemora e apóia a decisão de Cunha. Diversos deputados de oposição falaram a favor da decisão do presidente da Câmara dos Deputados, de aceitar o pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff por crime de responsabilidade: “A presidente Dilma fez o governo da maneira mais populista e irresponsável que um governante pode ser”, disse o líder do Solidariedade, deputado Arthur Oliveira Maia (BA). O líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), disse que o Parlamento precisa parar para refletir sobre uma “matéria de interesse do País”. O líder do PSDB, deputado Carlos Sampaio (SP), também comentou o pedido de impeachment. “Não se trata de uma luta das oposições contra a presidente. Não se trata de um golpe institucional. São preceitos constitucionais. Quem disse que os pressupostos estavam presentes não foi o presidente Eduardo Cunha, foram os juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr., junto com a doutora Janaína”, disse Sampaio.

“Foi melhor assim”, afirmou a presidenta. Em uma primeira avaliação com seus assessores, Dilma Rousseff disse que pelo menos agora acabou a indefinição que estava “imobilizando” o governo e que o Palácio do Planalto deve traçar uma estratégia para derrotar o pedido de impeachment . Além de se preparar para enfrentar a votação contra o pedido de impeachment na Câmara o governo avalia ainda ir ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a decisão de Cunha, alegando vingança do deputado e que não há crime de responsabilidade a ser imputado à Dilma. Aliados da presidenta, porém, temem que a Corte decida que não cabe aos ministros do STF um parecer sobre o tema ou mesmo que há, sim, crime de responsabilidade da presidenta.

Finalmente, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal logo que soube da decisão de Cunha, afirmou que o presidente da Câmara não tem o poder de dar andamento ao processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. De acordo com o ministro, o papel de Cunha é dar um parecer técnico sobre o pedido, que deverá ser posteriormente analisado e aceito, ou não, por uma comissão. "Ele não toca o processo, quem toca é o colegiado. Não há esse poder do presidente da Casa receber ou não receber a notícia da prática que leva ao impeachment", explicou Marco Aurélio. Ele afirmou que cumpre agora a Cunha constituir uma comissão, que deve ser formada, tanto quanto for possível, por parlamentares de todos os partidos. "O colegiado deve dizer se o pedido merece ou não deliberação e enviar de volta à comissão para que ela determine o recebimento ou não", disse o ministro.

Em entrevista ao Estadão, Aldo Fornazieri (professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo) afirmou que a decisão de Eduardo Cunha de dar encaminhamento ao pedido de impeachment contra a presidenta Dilma poderá mergulhar o País numa convulsão política e grave crise institucional. “Trata-se de um ato de aventura política, um ato de chantagem consumada e de vingança. Nesse contexto, independentemente das razões fundamentar tal pedido, o processo nasce contaminado pela marca do golpe político”.
Fornazieri vai além em sua análise, problematizando o seguinte: qual será a conduta dos partidos, principalmente da oposição, encaminhamento de um processo de impeachment de uma pessoa sem legitimidade e de uma decisão movida vingança? “Se esse encaminhamento prosperar, abrir-se-á um grave precedente para o futuro do País e a própria legitimidade processo político estará em risco. O sistema político como um todo e a oposição em particular estarão colocando político imediato e mediato”, disse o professor, que ainda arrematou: “Mas não é só isto: os partidos e os líderes estarão colocando em jogo as suas histórias e as suas biografias. a sua dignidade em face de um ato de aventura e de irresponsabilidade de um político que não tem nenhum não se pronunciar com urgência, o País terá pela frente meses tormentosos. Meses de incerteza política e econômica e social. Esse processo de impeachment, tal como foi encaminhado e dada a gravidade de sua provocar muitas perdas e nenhum ganho”.


Enquanto fico zapeando pelos diversos jornais e coletando informações para a presente matéria, fico imaginando o palco armado para essa nova tentativa de golpe. Até Jarbas Vasconcelos, o "dissidente" do PMDB mais à oposição ao governo Dilma, não se sentiu confortável para apoiar a reação de um deputado investigado contra a presidenta legitimamente eleita, enquanto o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, disse que o impeachment não tem fundamento jurídico. Já os deputados Hugo Motta, Manoel Junior e Wellington Roberto, do PMDB paraibano – os três mosqueteiros de Cunha –, pelo jeito continuarão apoiando o presidente da Câmara com garras e dentes. A briga dentro do próprio PMDB promete.

Eu só sei de uma coisa: chegou a hora. Finalmente chegou a hora de enfrentarmos as forças nefastas de uma direita conservadora e achacadora dos direitos humanos e das minorias. É hora de Dilma começar o combate e chamar para junto de si as alas progressistas que acreditam em um Brasil melhor para todos.

Que comecem os jogos. Estou pronta.


* Fabiana Agra é advogada e jornalista


Fontes: Folha, Estadão e redes sociais.